domingo, fevereiro 11, 2007

Patapon vs. "Misseiros da Santíssima Trindade"

Não sei porquê, mas deu-me uma vontade enorme de violar a lei eleitoral. Não é que eu seja grande violador, mas não tenho nada melhor para fazer com os próximos vinte minutos.

6.ª feira, 18h, Estação de Metro da Trindade
Ia eu a passar muito descansadinho, quando fui abordado por um marmanjo que me deu um panfleto anti-aborto. Em vez de aceitar ou recusar, sem mais, decidi recusar, primeiro, e depois perguntar-lhe porque é que ele me estava a entregar aquilo. Estava a chover e, enquanto a chuva não parava, transformei a entrada da estação num “speakers corner” em versão portuguesa. Houve muito boa gente que ficou a ver e tudo, um verdadeiro debate ao vivo… Lindo, meus amigos…
Esclareci logo a minha posição e, às primeiras trocas de argumentos, começaram a chegar reforços, entre os quais se contavam duas betas com uns 16 anos (cheias de certezas sobre a vida), e, a chefe do bando, uma trintona de com ar de beata (permanentemente apagada)…
Passado pouco tempo, todos os “misseiros” que distribuíam panfletos, tinham deixado a sua missão e estavam à minha volta a tentar abortar tudo o que para mim era pensamento lógico e racional, enquanto eu dizia “não me interrompam que eu ainda não acabei”. Todos juntos, e um de cada vez, estiveram ali uns 15 minutinhos a ver como se me davam a volta enquanto eu lhes fazia perguntas do género:

- Qual é a vossa solução para o aborto clandestino se desde o último referendo para cá nada mudou?
- Querem tratar de um caso de saúde pública nos tribunais ou em estabelecimentos de saúde?
- Porque é que tratam as mulheres como atrasadas mentais que não sabem decidir sobre uma questão tão íntima?
- (Virado para uma das betas) Tens a certeza que uma mulher faz um aborto como quem toma um copo de água?
- Que exemplo de direitos civis é a Irlanda, um país onde nem o divórcio era permitido há um par de anos?
- Se um feto é um bebé porque é que não consideram a mulher que aborta uma homicida e a mandam para a cadeia por 25 anos?
- Ah, não concordam que elas vão presas, então porque é que querem manter uma lei que diz isso mesmo? A lei é a brincar?
- Porque é que vocês, mulheres, se regem pelos valores morais da igreja católica, que sempre vos tratou como seres menores em relação aos homens?
- Se não se deve matar um feto, porque é uma vida, então uma mulher violada tem de ter o menino? (Virado para a trintona) Era isso que você faria, certo?

E terminei com um triunfal, “tenham vergonha, não se aproveitem da ignorância dos incautos”, precisamente no exacto momento em que a chuva estava a abrandar.

Feitas as contas impedi que cinco elementos do movimento “Norte Pela Vida” distribuíssem panfletos durante cerca de um quarto de hora. À razão de dez folhetos distribuídos por minuto por cada um, foram 750 os que por minha causa ficaram no saco. Ou seja, se o sim à despenalização ganhar, espero que o Louçã, o Sócrates, etc, pelo menos reconheçam e mencionem nos seus discursos de vitória que eu tive um papel activo, senão mesmo decisivo, no referendo.
Caso contrário, da próxima vez que eu passar na Trindade em vésperas de referendo limito-me a insultá-los e não perco tempo a distraí-los da sua tarefa essencial.
Até logo... E atenção ao sinal da cruz que vão fazer nas mesas de voto :)

sexta-feira, fevereiro 09, 2007

Marques Mentes!?

Vocês sabem ler? Respondam-me se andarem por aí… Sabem? Então vejam lá se compreendem esta pergunta… Não é por mal, mas eu vi nos últimos dias comentadores reputados e confrangedores deputados fazerem de conta que não a percebiam. A questão, que estes aprovaram (tanto em 1998 como em 2006), é que não tem culpa nenhuma disso e anda aí a ser chamada de enganosa, mentirosa, fraudulenta e mais não sei o quê. Ora, segundo julgo saber, as perguntas não são enganosas, enganosas são as pessoas que dão o dito por não dito, ou o aprovado por equívoco. Não foi, portanto, a questão que mudou subitamente de posição, porque, creio eu, as perguntas não têm vontade própria.
Como convém, aqui se transcreve a visada: "Concorda com a despenalização da interrupção voluntária da gravidez, se realizada, por opção da mulher, nas primeiras dez semanas, em estabelecimento de saúde legalmente autorizado?"
Quem não percebeu levante o braço e acene, ao de leve, com a mão direita! Já agora, aproveite para se benzer enquanto ergue o “bastelo”.
Marques Mendes, cujo grau de honestidade moral se aproxima vertiginosamente do seu tamanho real (1,45 m, com tendência a encolher), conseguiu dar duas cambalhotas e meia ao vivo nas televisões de todo o país e cair em pé.
O líder da oposição, que tem um prazo de validade no cargo menor do que um iogurte exposto ao sol, aprovou esta pergunta há quase três meses e é defensor do Não no referendo. Contudo (peço agora um rufo de tambor), surpresa das surpresas, revelou esta semana que apesar de ir votar não quanto à despenalização, proporia … Hum, como é que se diz… Ah! Precisamente a despenalização das mulheres que fazem aborto. Ou seja, o nosso petiz concorda que é crime, mas diz que o crime não deve ter pena. Isto vindo de um agente legislador é brilhante, não é? Brilhante e memorável. Aliás, ele não fazia manobras destas desde os tempos em que andava de prancha de “bodyboard“ debaixo do braço!
Com efeito, chegamos a um ponto em que podemos adiantar que o trauma de Marques Mendes e daquele gajo que o Ricardo Araújo Pereira imitou e que agora não me lembra o nome é o facto de o aborto ser realizado num estabelecimento de saúde legalmente autorizado. É a tal coisa: “O aborto é proibido. Mas pode-se fazer... Só que é proibido.”
Pronto, portanto, aborto sim, mas clandestino, respeitinho é muito bonito e isto é um país de brandos costumes, intelectualmente influenciado por uma espécie que a ciência especializada denomina como “incoerentus oportunistis”.
Por acaso, por ter estado a pensar no Marques e no outro gajo já me ocorreram mais dois bons motivos para defender o aborto.

Até logo.

PS: Quem terá respondido melhor a este pensamento profundo foi Francisco Louçã, que advertiu: “O deputado Marques Mendes aprovou a pergunta há dois meses e agora o Dr. Marques Mendes vai a Aveiro dizer ao Dr. Marques Mendes de Lisboa que aprovou uma pergunta muito enganosa e que está muito irritado com o Dr. Marques Mendes porque percebeu que a pergunta o estava a enganar a ele próprio”.

PS II: Tenho pena de não apelidar de “papa-hóstias” e misseiros os partidários mais “hard core” do "Não". Mas eles arranjaram-me de borla um feto de plástico, daqueles que se vendem a um euro, e enviaram-me uma carta de outro que estava no além, e dizia: “Mãe, porque me mataste?” Perante isto passei a considerar que um feto é um bebé e que fazer um aborto é igual a um homicídio premeditado. Portanto, sou a favor de uma pena de 25 anos para quem o faça. E já agora vou votar no Salazar para maior português de sempre, fazer a saudação fascista e apoiar o PNR, destruir máquinas de preservativos ou invadir a Polónia e exterminar outras raças, sei lá…